Por entre os becos silenciosos da cidade, entre sacos de roupa doada e sopas quentes oferecidas, há um pedido que raramente é ouvido. Este, irá resumir uma das faces mais negligenciadas da desigualdade social – a pobreza menstrual.
Em que consiste?
Esta, também intitulada de precariedade menstrual, consiste na dificuldade ou impossibilidade de acesso a produtos de higiene íntima, água potável e saneamento básico, bem como informações sobre o tema.
Embora muitas iniciativas de voluntariado se concentrem na distribuição de comida, roupa ou até produtos de higiene geral, os bens de higiene íntima feminina continuam, muitas vezes, ausentes da equação. Pensos higiénicos, tampões, toalhitas íntimas ou copos menstruais são vistos como adereços, quando na verdade, são necessidades básicas. Contudo, associações e políticas têm vindo a implementar esta necessidade não só em instituições, como também, nas ruas.
Propostas e resoluções
Em novembro de 2022 foi aprovada a proposta do PAN para o orçamento de estado de 2023, prevendo a distribuição gratuita de produtos menstruais a estudantes sob ação social escolar, utentes do SNS com insuficiência económica, reclusas e pessoas sem-abrigo, incluindo escolas, universidades, centros de saúde e penitenciárias.
Porém, estas medidas não se mostram suficientes. Muitas vezes, as campanhas nem sempre resultam, sendo acompanhadas por uma disponibilização de produtos de higiene instável e muitas vezes, ausente. O assunto piora quando se trata de mulheres que sofrem com fluxos de sangue intensos, levando muitas vezes a anemias devido à intensidade da hemorragia, portanto, a ausência de produtos de higiene básica demonstra ser um problema urgente.
Implicações da pobreza menstrual
A falta de acesso a estes materiais não só compromete a dignidade das mulheres, como representa um risco sério para a sua saúde. A ausência de cuidados menstruais adequados pode desencadear infeções vaginais, tais como candidíase, vaginose bacteriana e tricomoníase, além de irritações e desconforto na zona genital.
Muitas vezes, devido à falta de produtos de higiene íntima entre as ruas, as mulheres são levadas a utilizar folhas de jornal, panos, roupa velha ou até vegetação.
Estatísticas e Inquéritos
Inquéritos como o “Vamos falar de Menstruação” levaram a cabo o derradeiro objetivo de realizar um diagnóstico da saúde menstrual em Portugal; tendo para isso questionado 7.495 mulheres, entre 9 de julho e 12 de agosto de 2024.
Para 4,7% das entrevistadas, a quantidade de produtos menstruais acessíveis nunca foi suficiente para uma higiene adequada.
Outros, investigaram as consequências da carência de saúde menstrual, confirmando que 17,2% dizem conhecer alguém que já faltou às aulas por não conseguir adquirir produtos menstruais, e 25,5% indica que já tiveram amigas que lhes pediram produtos menstruais por não conseguirem comprá-los. Cerca de 10% reconhece ainda já ter escondido o facto de não ter dinheiro para comprar produtos menstruais e 13% admite já ter tido ‘fugas menstruais’ por não ter dinheiro para trocar o penso ou o tampão.
A própria DGS recomenda também o acesso a produtos menstruais eficazes e a existência de instalações e serviços de apoio ao cuidado do corpo em conforto, segurança e privacidade, assim como o acesso atempado ao diagnóstico, tratamento e cuidados para desconfortos e distúrbios relacionados com o ciclo menstrual Incluindo o acesso a serviços e recursos de saúde apropriados, alívio da dor e estratégias de autocuidado.
A ausência de prudência fora das ruas
Mas a desigualdade de género nas ruas não se limita à menstruação, apesar de se denotar exatamente nela. A falta de acesso a cuidados médicos, contraceptivos e educação sexual em bairros sociais e comunidades marginalizadas leva, não raras as vezes, a gravidezes involuntárias. Em contextos onde o sistema falha repetidamente, o corpo da mulher torna-se campo de batalha de uma negligência estrutural.
Importa, por isso, questionar: porque é que ainda se esquece desta dimensão no voluntariado? Porque é que a menstruação, um processo natural e regular, continua a ser tabu até no auxílio humanitário?
Existem cada vez mais associações direcionadas para o apoio de mulheres em situação de sem-abrigo, alargando esta preocupação iminente e dando-lhe voz. No entanto, a cobertura é ainda residual e dependente da boa-vontade de algumas organizações.
Reconhecer a menstruação como uma questão de dignidade humana é dar um passo fundamental na luta contra a pobreza e a exclusão social. Garantir que todas as mulheres, independentemente da sua condição, tenham acesso a cuidados básicos é uma exigência moral — não um luxo.
Enquanto a igualdade continuar a ser seletiva e os ciclos menstruais das mulheres invisíveis nas políticas e ações solidárias, estaremos, como sociedade, a falhar.




